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Admiração

Admiro os poetas que escrevem, Com métricas, estrofes e rimas, Que fazem da caneta e do papel, Ferramentas de sua obra-prima. Admiro aqueles que ao lerem poesia, Respeitam a cadência, o sentimento, a melodia, Que apenas com o tom de voz, Eleva a beleza à nós. Admiro os que vivem a vida poeticamente, Que sabem com certeza o ser que são, Não são prisioneiros da mente, Quando chegada a hora, simplesmente vão. Admiro os que admitem  Que não sabem quem são, Pois se tornaram conscientes,  Da sua limitação. O que sou eu então, Se minhas rimas são bobas, Meus amores impossíveis, E se só sei o que não sou? Talvez eu seja isso: De toda uma vida, Um mero admirador.

A Máfia do Gás do Riso

- Esses dentistas são todos uma máfia. Assim bradou Mário, após ler algo no feed do Instagram.

- Por que estás a dizer isso? Perguntou Manoel.

- Ora, porque todos são. Não é claro isso? 

- O que foi que vistes neste telemóvel? Indagou Manoel.

- A senhorinha foi fazer um procedimento simples, que todo mundo faz. Morreu. Certeza que o dentista queria vender os órgãos da velha! Esbravejou Mário, indignado com o que acabara de ler.

- Ora, pois! Este gajo é com toda certeza o pior ladrão de órgãos que se tem notícias então, Mário. Se eu fosse afanar órgãos, com certeza seria de um gajo novo. Não de uma rapariga da terceira idade. Comentou Manoel.

- Só podia ser um português burro mesmo! Ele mata a velha pra despistar. Logo que entra uma pessoa mais nova, certeza que vai pegar um rim, um fígado e vender no mercado negro.

- Eu não sei de onde tiras estas ideias. Já falei pra tu parares de acessar essa tal deep web, fica vendo essas bobagens e acreditando que todos os que te cercam são más pessoas. Se eu fosse tu, iria assistir Ursinhos Carinhosos para vê se atiças seu lado fofo. Debochou Manoel.

- Vá se catar, seu portuga dos infernos! 

Com isso, dispersaram-se. A tarde estava mais calma do que de costume na loja, embora o movimento não fosse fraco. Por volta das três e meia da tarde, Mário foi fazer um lanche, o estômago começava a roncar. Sentiu vontade de comer pipoca. Foi até os fundos, abriu a panela, colocou um fio de óleo, sal e jogou o milho. Em alguns minutos, já estava com a pipoca na boca. Uma bacia de pipoca, em poucos minutos, se tornou apenas peruás. Não satisfeito, Mário quis morder também os milhos que ficaram. E então:

- AAAAAAAAAAI. Meu Deus do Céu!!!! Gritou Mário, desesperado.

- O que foi, gajo? Mordeu a língua. Perguntou Manoel, sem entender muito bem se deveria se preocupar ou não.

- Eu aço que queblei meu denfi! Respondeu Mário.

- Hahahahah. A vida gosta de pregar uma peça não é? Estavas a falar mal dos dentistas agora a pouco. Agora vai ter de ir ao consultório. Espero que teus órgãos estejam em perfeito estado. Ironizou Manoel.

Logo que terminou de falar, Manoel se prontificou a ligar no dentista e avisar que estavam a caminho, que havia uma emergência. Abaixou o tom de voz e disse a recepcionista algo que Mário não conseguiu entender. Chamou por alguém para tomar conta da loja e foram até o dentista.

Ao chegarem a clínica, nem precisaram esperar, já foram chamados ao consultório para que o dentista pudesse examinar o quanto antes qual o problema de Mário. Manoel não entrou, ficou do lado de fora esperando.

- Bem, Mário, seu caso é sério. Uma parte do seu dente se rompeu, gerando uma fratura, que não chegou a se soltar por inteiro. Como não é possível restaurar esse dente, teremos de extrair. Avisou o dentista.

Um pouco melhor da dor, pois o dentista o medicou assim que entrou, Mário respondeu:

- Bem doutor, acredito que não tenho outra escolha né? Quanto ficaria esse procedimento?

- Um valorzinho simbólico, nada demais. Relaxa. Respondeu o doutor. Vamos preparar tudo e assim que estivermos preparados te chamamos.

- E quanto seria um valor simbólico? Quis saber Mário.

- O valor de tabela. Falou o doutor e deu de ombros. Agora não se preocupe com isso, se não for tratado, vai piorar. Você pode pegar uma infecção.

E assim o dentista direcionou Mário até uma antesala para que pudesse preparar o consultório para o procedimento de extração. Alguns minutos depois, Mário foi chamado. Assim que se deitou na cadeira, o dentista pegou uma seringa, deu alguns petelecos, aplicou na região que necessitava da anestesia e então pegou uma máscara e colocou sobre o nariz de Mário, que apagou.

Algum tempo depois, Mário não pôde precisar com certeza, ele estava acordado. Nas mãos do dentista um bisturi ensanguentado. Zonzo, Mário pensou que talvez tivesse sido necessário abrir um pouco a gengiva para facilitar a extração. Olhou para o lado procurando Manoel, mas não viu nada além do dentista e a sala toda branca, a luz forte nos olhos. Tentou se mexer, mas o dentista logo interveio:

- Não se levante. Repouso absoluto pelas próximas horas.

Mário não entendeu. Como uma simples extração de um dente, operação rotineira e tranquila em um consultório odontológico poderia requerer repouso absoluto, de modo que ele não pudesse sequer se levantar da cadeira.

Percebendo a desorientação do paciente, o dentista logo explicou:

- É, Mário. Você tinha razão. Alguns dentistas aqui da cidade fazem parte da Máfia do Gás Do Riso. Estamos sempre a roubar órgãos de nossos pacientes e é muito trabalhoso manter isso sob sigilo. Você não imagina o quanto. Enquanto te preparávamos para o procedimento, meu auxiliar foi conversar com seu acompanhante e ele sem querer deixou escapar o comentário que o senhor fez hoje ao ler a reportagem nas redes sociais. Infelizmente, além de tirar seu rim, teremos de lidar com você de outra maneira. Talvez arranquemos a sua língua. Entrarei em consenso com meus colegas. 

Mário não soube o que pensar. Aquele comentário sem pé nem cabeça não podia ser real. Como assim, realmente roubavam órgãos em consultórios odontológicos? Como assim ninguém nunca reparou numa pessoa faltando órgão? Como nunca denunciaram? Ele estava sonhando, pensou. Só podia ser um pesadelo. Nem ele mesmo acreditava no que havia falado de manhã, como estaria acontecendo com ele? Ficou tão ansioso que desmaiou.

Algumas horas depois, acordou novamente. Dessa vez, não se encontrava na sala branca onde havia sido realizado o roubo do seu rim. Logo abriu a boca e tocou a língua. Ainda estava lá. Alguns minutos depois, a porta se abriu. Manoel entrou sorridente:

- Como estás, gajo? Imagino que tenhas se borrado todo com essa brincadeira, não é mesmo?

- Como assim brincadeira? Não tive meu rim arrancado? E por que senti dor no lado da barriga? Perguntou Mário, sério.

- Ora, pois! Para de bobagem! Tu és apenas maluco mesmo. Doutor Adroaldo é um conhecido meu da época em que cheguei ao Brasil. Morei com ele em uma república. Ao ouvir a besteira que falastes de manhã e me deparar com seu problema dentário, achei que seria divertido lhe pregar essa anedota.

Aliviado, Mário respondeu:

- E isso é brincadeira que se faça, seu português desgraçado?!! Eu poderia ter morrido do coração.

- Não morreu, como pode-se ver. Bem, em todo caso, ficará um órgão seu por aqui mesmo. Respondeu Manoel.

- Desde quando dente é órgão? Riu Mário.

- No preço que ficou o procedimento, só vendendo um órgão para quitar a dívida!!!

Enfurecido, Mário gritou:

- Não acredito!!! Eu falei que era tudo uma máfia. Bando de ladrão!!! Me devolve meu dente, não vou pagar nada não, eu quero meu dente de volta, seu açougueiro mafioso!!!



Texto por: Charlito Pimenta 



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