Reuniram-se para uma coletiva de imprensa, centenas de jornalistas e comunicadores. Tratava-se do último pronunciamento do candidato à reeleição para presidente, as vésperas do pleito. A corrida presidencial estava acirrada, o atual presidente vinha em segundo lugar, muitos pontos atrás em relação ao candidato da oposição. Os ânimos andavam acirrados e em todo canto se viam discussões acaloradas entre as pessoas.
Ao longo dos meses de campanha, o candidato vinha cometendo deslizes em seus discursos, cometendo gafes e apresentando despreparo frente aos problemas que vinham surgindo no horizonte. A coletiva de hoje poderia ser a gota d'água, a última pá de cal, para extinguir as chances do candidato à reeleição. Poderia ser também a virada de página e o galope rumo a vitória, por isso, todos se encontravam apreensivos.
Se para os políticos e a imprensa os ânimos já estavam acirrados, para a população em geral, era como um clássico de futebol: sem camisa contra os de camisa valendo uma Coca gelada. Nessa hora não existe nem pai e nem mãe, como todos sabem. E assim prosseguiu para o pronunciamento do presidente candidato.
- Antes de mais nada - começou o presidente - antes de mais nada, eu gostaria de dizer que eu sou completamente contra injustiças. Abomino de maneira veemente. É inadmissível, que em um país como o nosso, esse tipo de coisa ainda exista. Principalmente quando o injustiçado é o pequeno, o desafortunado, o mais pobre. Essa, talvez, tenha sido a razão pela qual eu me enveredei para o lado da política, para acabar com as injustiças, exercer minha influência de maneira que melhore isso que tá aí. Quando olho o noticiário e vejo coisas, como essas que vi ontem, acontecer, com toda essa tecnologia que possuímos, esse trabalho incansável em prol do melhor, principalmente para os mais pobres, chega a me dá vontade de desistir. Cansa vê tudo isso acontecer.
- Aquele que tem menos recursos corre mais; trabalha mais; se esforça mais e aí, acontecem essas injustiças, que acaba fazendo o trabalho ser todo em vão. O cara levanta cedo, pega sua condução, vai para um dia inteiro de corre-corre, de pegar no pesado, de dar duro, pra dar as melhores condições para a família e fazer o que pode pra levar uma alegria para aqueles que torcem por ele. E aí, um bando de ladrão, incompetentes bota tudo a perder. Com certeza deve haver algum esquema por detrás de tudo isso que vem acontecendo ao longo desse ano. E é sempre em favor deles e contra nós. Isso é um absurdo, tem que acabar. Vou lutar com todas as minhas forças pra acabar com isso que tá aí.
Silêncio. Todos se entreolham, incrédulos com o que ouviram e curiosos. Não se recordavam do vazamento de nenhum escândalo no dia anterior. Entre as centenas de jornalistas, ninguém sabia do que o candidato estava falando. Seria um furo de reportagem? O golpe final da campanha contra a oposição? Um jornalista então levantou a mão e perguntou:
- Senhor presidente, vossa excelência recebeu alguma informação de escândalo de corrupção no partido de oposição? Tem alguma revelação a fazer? Do que se trata essa injustiça?
- Não tá óbvio pra vocês? Tá em todo lugar pra todo mundo ver. Respondeu o presidente.
- Acho que não conseguimos no situar, senhor. Poderia esclarecer? Pediu o repórter.
- Eu me refiro, claro, ao jogo de ontem, onde o meu Joãoninense foi garfado diante das câmeras e com o VAR disponível na partida. Isso é um grandíssimo absurdo. Respondeu irritado, o presidente.
- Nada sobre a campanha? E seus eleitores? Indagou incrédulo outro jornalista.
- Meus eleitores estão tão indignados como eu. A campanha fica até difícil de continuar com essa frustração. Os eleitores do Brasil me compreendem, o futebol é uma paixão nacional.
Silêncio mais uma vez. Após vários minutos sem ninguém dizer uma palavra, deu-se início ao discurso de campanha. Mas quase ninguém se interessava mais. No dia seguinte, as eleições ocorreram como sempre ocorrem. Após a apuração das urnas, a surpresa: o candidato à reeleição havia vencido o pleito, com larga diferente para o candidato da oposição, que até a véspera, nadava de braçada. E assim se deu mais uma eleição no país.
Texto by Charlito Pimenta.
Comentários
Postar um comentário
Poxa, deixa um comentáriozinho aí...