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Último Texto

Dignidade

Não sou digno que a felicidade sorria para mim. Perceba que eu disse que não sou digno e não sou merecedor. É que a felicidade é fim último de todos e todos, sem exceção a merece. Mas ser digno de felicidade é diferente. Só é digno da felicidade aquele que possui bravura. É aquele que não tem medo dos nãos e das portas fechadas. Aquele que cria as condições ou, pelo menos, tenta criar os meios de atingi-la.  A felicidade é passiva. Você quem deve ir atrás dela e não esperar que ela aconteça. A felicidade se constrói enquanto se vive, não é um estado de graça, que uma vez atingido, permanece. Ela é como a própria vida. Ela até paira por nós, mas só de fato vive àquele que escolhe os próprios caminhos.  Só é feliz quem vive. Só vive quem é feliz. Os demais, se contentam com a efêmera sensação de ser feliz, só porque, num dia de céu claro, um leve sorriso foi visto no espelho.

Simulação

Desde que me enveredei para este lado das atividades humanas, algumas pessoas viram em mim capacidades e habilidades que destacam, afinal, a minha inventividade sempre foi aflorada, embora nem sempre essa mesma inventividade possa ser aplicada na vida prática. Na teoria as coisas são mais fáceis de serem criadas do que quando se tenta aplicar. Talvez eu fosse melhor poeta do que um cientista.

Certa vez desafiaram-me a simular o efeito gravitacional da Lua aqui na Terra, algo que até já é feito com tecnologias de microgravidade desenvolvidas pelas potências tecnológicas do mundo, mas queriam testar a minha inventividade, já que era alardeado por todos cantos que entre os cientistas malucos, eu era o que tinha as ideias mais geniais. Imagine você isso: eu, um ser humano genial. Quem propagou essa lorota devia estar a zombar da capacidade intelectual dos seus ouvintes. O fato é que a lorota se espalhou e eu que não de levar desaforo pra casa, aceitei o desafio.

Como o intuito era simular a gravidade lunar, corri então atrás de uma luneta. Com esse instrumento eu poderia facilmente observar este corpo celeste que nos orbita e deixa a noite dos apaixonados mais iluminada (caso esteja na fase cheia, claro. Quando míngua só tem breu, a noite dos apaixonados brilham por causa da paixão que sempre circunda os casais). Talvez, você que me lê e tem algum conhecimento das ciências astronômicas e teorias físicas, como relatividade geral e leis de Newton, estejam se perguntando porque diabos eu quis observar a Lua, ao invés de ler os artigos científicos e materiais acadêmicos relacionados à gravidade disponíveis. E eu respondo: inovação. Ou talvez fosse só loucura mesmo.

Então comecei o meu processo de observação minuciosa daquele astro iluminado. Confesso que era chato e que volta e meia me pegava pensando em encontrar do outro lado da lente homenzinhos verdes se escondendo nas crateras. Fosse minha luneta mais potente, tenho certeza que seria possível vê-los se escondendo e rindo dos seres humanos. Aliada a essa observação silenciosa e enfadonha, pus-me a assistir atentamente aos vídeos do homem na Lua, observando seus movimentos, fazendo meus cálculos matemáticos e conjecturando a respeito dessa simulação.

Após trinta e cinco dias, sete horas, quarenta e três minutos e cinquenta e dois segundos, a luz acendeu. E não, não me refiro à luz que a gente usa nas construções para iluminar os ambientes no período noturno ou quando tá escuro. Acendeu em mim a luz da ideia. A isso os gramáticos deram o nome de metáfora. Mas voltando, tive a minha epifania. Fui correndo ao primeiro depósito de materiais de construção, porém, esqueci da hora, ainda não estava aberto, tive que segurar a minha ansiedade. Então, logo que o relógio marcou o início do expediente, coloquei-me a caminho do depósito. Cumprimentei o balconista e já lhe entreguei a minha lista de compras. 

Antes do final do dia meu equipamento já estava montado. Todo aquele tempo estudando facilitou muito a criação do projeto e com a engenharia toda planejada, a execução foi simples. Bastava conectar uma coisa aqui, outra ali e pronto: estava pronto o meu simulador. A demonstração foi marcada para o dia seguinte. A academia em peso estaria presente para ver com os próprios olhos a simulação caseira da gravidade lunar na Terra.

Assim que entrei na sala, peguei o grampeador. No teto eu já havia pregado um forro, o qual alcançaria mais tarde com o grampeador e o meu simulador. Todos os convidados sentaram-se no auditório em frente, de onde podiam ver a sala onde eu estava através de um vidro. Solicitei um ambiente controlado, o que aumentou ainda mais as expectativas das pessoas que aguardavam do lado de fora. Esperavam uma palestra após a demonstração, onde eu falaria a respeito do meu processo de pesquisa e confecção dessa nova invenção. Sentaram-se todos em silêncio, a iluminação abaixou, tal qual um teatro. Eu entrei na sala. Com grampeador em mãos, sem muito esforço, eu ia do chão ao teto, onde pregava algumas letras no forro. Assim que acabei de escrever o que eu queria no teto, removi meus acessórios e chamei todos para a sala. Vocês, meus caros leitores, não imaginam a surpresa de todos ao lerem a seguinte frase pregada no teto: "Pegadinha do malandro!".

Minha "invenção" consistia apenas de um tênis adaptado com molas que me permitiam saltar sem muita dificuldades. Claro que havia um quê de novidade no que eu elaborei, afinal, foi complicado encontrar o modo correto de fixar uma mola em cada tênis, além de ter sido complicado elaborar o cálculo do potencial elástico que a mola precisaria ter para que o salto pudesse ser controlado e ainda fosse possível caminhar com o tênis sem muita dificuldade. 

Quando me desafiaram, regras sobre a simulação não foram estabelecidas. Também não foi dito para que fosse um estudo científico verdadeiro, apesar das aplicações que uma invenção desse tipo pudesse ter no mundo real. Como meu senso de humor sempre foi elevado e estavam a testar a minha inventividade, resolvi pregar essa peça nos meus desafiantes. E foi assim que eu descobri que cientistas não tem senso de humor e acabei danificando a minha reputação.

Escrevi a vocês este texto porque agora dedico a minha vida à estudos científicos verdadeiros. Pretendo ser o primeiro ser humano a ter criado uma máquina do tempo. Preciso urgentemente voltar ao passado e deixar um recado a mim mesmo: "tente ser mais dramático quando for pregar a peça no pessoal. Vai entrar pra história".


Texto by: Charlito Pimenta

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