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Dignidade

Não sou digno que a felicidade sorria para mim. Perceba que eu disse que não sou digno e não sou merecedor. É que a felicidade é fim último de todos e todos, sem exceção a merece. Mas ser digno de felicidade é diferente. Só é digno da felicidade aquele que possui bravura. É aquele que não tem medo dos nãos e das portas fechadas. Aquele que cria as condições ou, pelo menos, tenta criar os meios de atingi-la.  A felicidade é passiva. Você quem deve ir atrás dela e não esperar que ela aconteça. A felicidade se constrói enquanto se vive, não é um estado de graça, que uma vez atingido, permanece. Ela é como a própria vida. Ela até paira por nós, mas só de fato vive àquele que escolhe os próprios caminhos.  Só é feliz quem vive. Só vive quem é feliz. Os demais, se contentam com a efêmera sensação de ser feliz, só porque, num dia de céu claro, um leve sorriso foi visto no espelho.

Consulta Médica

Por razões de saúde, precisei consultar um médico. Acordei um dia bem cedo, preparei um café forte, me arrumei e fui até o consultório. Tudo bem comum, como se espera de um dia de consulta. Enquanto aguardava na sala de espera, refleti sobre a vida, sobre os meus hábitos, sobre as minhas companhias, sobre meu trabalho, sobre tudo aquilo, que de alguma forma, poderia estar me tirando a saúde. Muita reflexão, pouca ação, nem sei quanto tempo levou até que o médico me chamasse.

No consultório, a conversa iniciou-se com as formalidades de praxe.

- Bom dia, o que tem sentido?
- Bom dia, doutor. Tenho sentido uma fraqueza, aperto no peito, uma queimação. Fiquei com medo que fosse algum problema cardíaco, algo que me cause um infarto fulminante e me leve desta vida. Achei por bem consultá-lo.
- Fez bem, fez bem... fez muito bem, se todo mundo se preocupasse assim, muito sofrimento seria poupado nessa vida. Mas me diga, em que momento esses sintomas se manifestam? É durante algum exercício ou esforço físico?
- Nada, doutor. Tenho estado um pouco sedentário ultimamente, sabe? A vida corrida, mal da tempo de fazer as obrigações. Isso acontece, às vezes, quando acordo, outras vezes, na hora de dormir, mas ao longo do dia, volta e meia percebo esse aperto, esse mal estar.
- Falta de ar? Acontece também?
- Ainda não percebi a falta de ar, talvez quando o aperto é mais intenso.
- E tem muito tempo que tem sentido isso?
- Deixa eu pensar... mais ou menos uns... dois meses? Menos, talvez.
- Estica o braço, vamos medir sua pressão.

A expressão do médico fica séria, o ar descontraído do começo da consulta começa a ficar tenso. Começo a imaginar que meu caso seja grave, a minha vida começa a passar de trás pra frente na minha cabeça. Se eu tivesse me exercitado mais... ou quem sabe comido menos porcaria... talvez seja congênito e só agora esteja se manifestando... 

- Bem, a pressão tá ok. Vamos agora auscultar os pulmões e o coração. Sente-se na maca, por favor e tire a camisa.

O médico pega o estetoscópio, posiciona nos ouvidos, respira fundo, como se fosse ele o paciente, se aproxima e pede licença.

- Respira fundo! Isso... solta. - move o instrumento mais para o lado. Novamente... respira... 

O olhar do médico fica tenso, parece não compreender o que está acontecendo, parece até duvidar. Seria possível que eu estivesse tão mal assim?

- Aguarde um minuto, por favor. Vou precisar consultar um colega.

Alguns minutos depois chega até o consultório um médico com aparência mais velha, ao que tudo indica, mais anos de experiência na prática médica, talvez um especialista em cardiologia. Isso me deixa mais tenso. Oras, agora meu coração está acelerado: vou morrer a qualquer momento, eu penso.

O segundo médico executa os mesmos procedimentos, e a medida em que manuseia o estetoscópio para lá e para cá, o semblante demonstra espanto e estranheza. Com certeza há algo fora do normal. Ambos os médicos se dirigem ao corredor e fecham a porta, talvez não querem que eu ouça o que eles tem a dizer. Com certeza meus dias estão contados.

Após alguns minutos de deliberação, que a mim pareceram horas, o primeiro médico volta ao consultório e com um olhar que dizia "não acredito no que tenho a dizer" ele pigarreia e começa:

- Bem, vai soar um pouco inacreditável o que tenho a dizer, mas seu coração tá batendo em um ritmo descompassado. Claro que para mim, como médico, isso não é nem um pouco fora do comum, geralmente indicativo de alguma disfunção cardíaca ou metabólica, mas o estranho é o som que seu coração tá fazendo.
- Como assim, doutor? Isso é grave?
- Bom, quando a gente ausculta os pulmões e coração, a gente tenta identificar algum chiado, o compasso, algo que indique que as coisas não vão bem. O som que a gente espera ouvir do coração, fazendo uma onomatopeia comum de ouvirmos por aí é: "tum dum, tum dum, tum dum" (lembrou da Netflix, né leitor?). O seu não tá fazendo esse som, nem outro que a gente já tenha ouvido.
- Qual som ele tem feito então?
- Eu não acredito no que vou dizer, mas ele tá fazendo algo que soa como o nome de uma mulher... como se sussurrasse o nome... Jamile. Vou te recomendar alguns exames, mas fora isso, parece que tá tudo certo com você, pelo menos do ponto de vista de minha experiência clínica. Mas faça um ecocardiograma, um eletrocardiograma e um exame de router, acho que isso vai ajudar a elucidar o problema. Se não fosse loucura, diria que a sua doença é amor.

Bem, talvez não fosse loucura realmente, já que tudo começou depois que vi aquela bendita foto, por cima do ombro de um amigo, que "zapeava" em uma conversa com uma amiga. De lá pra cá, o descompasso de minha mente e meu corpo se fez presente, a ponto de meu coração chamar por ela... É uma pena que não se possa ouvir. Talvez pudesse ser o início nada convencional da mais louca e inesperada história de amor. 

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