Hoje, Não

Ele sentou-se em frente à televisão. Havia decidido, horas antes, que faria mudanças em sua vida. Dessa vez, seria para valer, pensou. Pegou o controle e abriu o catálogo de um dos muitos streamings que possuía. Queria assistir, só não sabia o quê. Domou o impulso de olhar as redes sociais. Hoje, não.

Milhares de opções: interessantes e desinteressantes ao mesmo tempo. Tinha tudo disponível, mas nada o atraía. Pensou se seria assim para quem tem muito dinheiro. Sem limitações financeiras, tudo é possível — e nada chama atenção. O excesso de escolhas seria tão prejudicial quanto a falta delas?

Por pouco não abriu o aplicativo para discutir com a inteligência artificial sobre a ânsia de ter e o tédio de possuir. Que ironia, riu consigo mesmo, falar da condição humana com algo que não é humano. Mas hoje seria diferente.

Um livro... Mas qual? Não, sua atenção não seria suficiente. Estava inquieto, precisava de estímulos, mas nada do de sempre. Seria assim o resto da vida? Interações humanas apenas pausas na rotina entre telas? Algo corrido, superficial, sem afinidades reais?

Pensou em Deus. Talvez devesse rezar. Não se sentia digno. Frequentava a igreja, mas quase nunca rezava em casa. Por que agora? Pediu perdão. Hoje, pensou, mais a Deus do que a si mesmo. Não sabia se, simplesmente por pensar em Deus, algum milagre acontecera.

O telefone vibrou. Era alguém que ele queria bem. Um convite para contato humano real. Um sorriso involuntário surgiu — pequeno, mas genuíno. Pela primeira vez naquele dia, sentiu uma leve pulsação de expectativa.

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