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Dignidade

Não sou digno que a felicidade sorria para mim. Perceba que eu disse que não sou digno e não sou merecedor. É que a felicidade é fim último de todos e todos, sem exceção a merece. Mas ser digno de felicidade é diferente. Só é digno da felicidade aquele que possui bravura. É aquele que não tem medo dos nãos e das portas fechadas. Aquele que cria as condições ou, pelo menos, tenta criar os meios de atingi-la.  A felicidade é passiva. Você quem deve ir atrás dela e não esperar que ela aconteça. A felicidade se constrói enquanto se vive, não é um estado de graça, que uma vez atingido, permanece. Ela é como a própria vida. Ela até paira por nós, mas só de fato vive àquele que escolhe os próprios caminhos.  Só é feliz quem vive. Só vive quem é feliz. Os demais, se contentam com a efêmera sensação de ser feliz, só porque, num dia de céu claro, um leve sorriso foi visto no espelho.

A Árvore

Há anos não vou ao campo, ou como dito na minha região, à roça. Estive em sítios e chácaras, localizadas em zonas rurais, mas não são como a roça, roça. Na última oportunidade eu ainda era um garoto, e como garoto, a percepção do valor que aqueles dias longe da civilização tinham me eram totalmente diferente da ideia que faço hoje daqueles tempos. Quando penso em roça, hoje, logo penso em paz. Tranquilidade. Embora nas minhas lembranças, minha estadia na roça fosse agitada. Só não tinha os sons da cidade. De resto, era a mesma bagunça e algazarra que fazíamos. Ah, tinha espaço pra correr também.

Essa lembrança me veio à mente, quando, a caminho de casa, deparei-me com uma árvore. O engraçado é que eu sempre passo por ela, mas só hoje prestei atenção. Apenas para contexto, moro numa zona periférica da cidade, até um tempo atrás, era um dos últimos bairros. No meu trajeto diário, atravesso uma parte mais movimentada, mais populosa, mais apressada. Trânsito intenso nos momentos de pico do dia. Cercada por prédios. Na rua onde vi esta árvore, tem uma casa cuja arquitetura parece ter saído de um desenho de criança. Pelo menos era assim que eu desenhava uma casa quando criança. Em frente a esta casa um lote vago. No lote, imponente, a árvore.

A árvore, típica do cerrado, baixa, tortuosa, com aparência de seca, mas muito viva, destoa da paisagem da civilização que a rodeia. Nos galhos tortos, havia um ninho de pássaros. Piava um passarinho, mas devido ao barulho dos veículos, não pude distinguir se adulto ou filhote. Nesse ponto, eu já estava parado, do outro lado da rua, olhando a árvore. Perguntava a mim mesmo se as pessoas que moram nos prédios ao redor saiam às janelas para ver a árvore. Quem sabe de manhãzinha ou no início da noite, quando os veículos cessaram e há silêncio ou pelo menos algo parecido com silêncio, que permitisse portanto a pessoa olhar a árvore e imaginar ou sentir ou pensar. Será se aquela árvore poderia ser, pra alguém, um pedacinho do sossego da roça no meio do caos da cidade?

Depois me veio a angústia. Angustiei-me porque lembrei que, em algum ponto do futuro, aquela árvore será arrancada e no espaço em que estava, um prédio tomará seu lugar. Aquele som de pássaro que eu ouvia, talvez não será mais ouvido naquela região. Talvez o ar por ali fique menos respirável. Não terá mais árvore. E a isso daremos o nome de progresso.

Aquela árvore me é o lembrete de que o mundo é muito mais que a correria que a vida adulta se tornou para os novos adultos. Um lembrete que há vida fora das telas. Que há paisagens a serem visitadas, que há histórias a serem construídas, que há virtude no silêncio. É um lembrete para convidar aqueles que gosto para um passeio no parque cujo intuito seja apenas respirar um ar puro e apreciar a beleza de uma paisagem verde, ou no caso do cerrado em tempos secos, uma paisagem amarronzada, porém viva e cheia de nuances que vão muito além dos galhos tortos.

Aquela árvore me é um lembrete que as nossas raízes são tão profundas quanto as raízes que a sustentam e tiram água de um deserto arenoso abaixo dela.

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