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Último Texto

Dignidade

Não sou digno que a felicidade sorria para mim. Perceba que eu disse que não sou digno e não sou merecedor. É que a felicidade é fim último de todos e todos, sem exceção a merece. Mas ser digno de felicidade é diferente. Só é digno da felicidade aquele que possui bravura. É aquele que não tem medo dos nãos e das portas fechadas. Aquele que cria as condições ou, pelo menos, tenta criar os meios de atingi-la.  A felicidade é passiva. Você quem deve ir atrás dela e não esperar que ela aconteça. A felicidade se constrói enquanto se vive, não é um estado de graça, que uma vez atingido, permanece. Ela é como a própria vida. Ela até paira por nós, mas só de fato vive àquele que escolhe os próprios caminhos.  Só é feliz quem vive. Só vive quem é feliz. Os demais, se contentam com a efêmera sensação de ser feliz, só porque, num dia de céu claro, um leve sorriso foi visto no espelho.

Diálogo Com a Tristeza

Hoje a tristeza bateu em minha porta e ao invés de enxotá-la, a acolhi. Convidei-a a entrar, levei-a até a cozinha e lhe ofereci um assento em minha mesa. Enquanto ela se acomodava, fui até o fogão e passei um café. Hoje seria ela a minha visita e, portanto, a trataria bem. Queria que ela se sentisse bem recebida, e embora não seja a minha companhia favorita, merecia o respeito de minha parte.

Num primeiro momento ela se sentiu tão desconfortável quanto eu. Não era a primeira vez que me visitava, mas era a primeira vez em que ela não precisou se esconder nem fingir ser outra coisa. De minha parte, por não fugir dela, não sabia o que fazer. Ficamos nos olhando em silêncio. E assim ficamos: em silêncio.

Passado o tempo - não sei precisar se foram segundos ou horas - ela desviou o olhar para a xícara de café, deu um gole e tornou a me olhar como se dissesse que não veio para ficar, que em breve iria embora, esperando talvez que a próxima visita demorasse a acontecer.

O silêncio foi rompido quando ela disse que só vinha porque, como as outras visitas que eu recebia, ela também fazia de mim um humano. Eu concordei. Eu só não podia deixá-la se sentir cômoda e confortável. Não podia deixar que tomasse conta da casa. Recebê-la me abria a possibilidade de encarar as coisas de uma maneira mais completa, mais valorosa.

Deixei então que as lágrimas escorressem. Precisava tirar de mim o peso de todas as vezes em que me escondi da tristeza. Precisava lubrificar a alma, abrindo espaço para que o restante pudesse se aconchegar em meu interior. E em meio as lágrimas, desabafei.

Disse a ela que fugia porque tinha medo. Tinha medo que a tristeza pudesse vir pra ficar. Medo de que viesse acompanhada de raiva. Medo de que eu não conseguisse mais receber outras visitas, porque estaria íntimo demais da tristeza para me abrir a efemeridade - ou não -, da felicidade.

Então ela me disse que se eu passasse a vida toda sem conhecer a tristeza, não seria capaz de dar o devido valor ao restante. Afinal, se não a conheço, o restante me seria comum e banal. Valoriza o sorriso aquele que já chorou. Valoriza a companhia aquele que já foi só. Valoriza o amor aquele que não foi amado.

Conhecê-la, nada mais é, senão, aceitá-la e a aceitando, seguir o processo de mandá-la embora. O choro, a reflexão, o compromisso consigo e a mudança de atitude. Eis, portanto, o caminho para liberar o quarto para as vindouras visitas. A tristeza, muitas vezes, organiza a bagunça que a alegria faz. Outras vezes, serve de escudo para prevenir novas dores, afinal, quando se lembra da tristeza, não queremos que ela nos visite novamente.

Então ela levantou-se, enxugou minhas lágrimas, abraçou-me e disse que eu já estava pronto para desfrutar do meu cotidiano. Que uma hora ou outra, ela poderia passar pela janela, ou até bater na porta, poderia voltar outra vez, mas que eu sempre me lembrasse, que por mais que parecesse uma eternidade, logo após a sua saída, viria a felicidade.


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