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Último Texto

Dignidade

Não sou digno que a felicidade sorria para mim. Perceba que eu disse que não sou digno e não sou merecedor. É que a felicidade é fim último de todos e todos, sem exceção a merece. Mas ser digno de felicidade é diferente. Só é digno da felicidade aquele que possui bravura. É aquele que não tem medo dos nãos e das portas fechadas. Aquele que cria as condições ou, pelo menos, tenta criar os meios de atingi-la.  A felicidade é passiva. Você quem deve ir atrás dela e não esperar que ela aconteça. A felicidade se constrói enquanto se vive, não é um estado de graça, que uma vez atingido, permanece. Ela é como a própria vida. Ela até paira por nós, mas só de fato vive àquele que escolhe os próprios caminhos.  Só é feliz quem vive. Só vive quem é feliz. Os demais, se contentam com a efêmera sensação de ser feliz, só porque, num dia de céu claro, um leve sorriso foi visto no espelho.

Galeria

Um rapaz, vindo de um dia tedioso e cansativo de trabalho, decidiu caminhar até sua casa. A distância entre a empresa e a residência anunciava uma caminhada de pelo menos uma hora. Havia tempo que ele não fazia essa trajeto. Sempre motorizado, o trajeto era outro. Enquanto caminhava, pensava sobre o que havia sentido nos últimos dias. O estresse, as chateações, as saudades, a solidão que sentia apesar das companhias. Imaginava o que seria do futuro. Focado em sua reflexão, andava distraído, mal havia se dado conta de que já havia caminhado um bom pedaço quando notou uma fachada iluminada.

Tentou puxar na memória se aquele edifício existia ali quando passou pela última vez. Não se lembrava de uma fachada luminosa, destoante das casas ao redor, naquelas redondezas. Da entrada não era possível identificar que tipo de estabelecimento era aquele. Não era de seu feitio desviar-se do caminho, mas parecia que aquele lugar o chamava, mesmo sem saber o que poderia encontrar ali. Poderia ser qualquer coisa. Poderia ser nada. Da hipótese de ser nada, ele riu. Como algo pode ser nada? Ou é ou não é. Essa hipótese ele questionou. Ora, que visão binária essa onde o nada não pode ser algo? E assim, rindo e questionando a si mesmo, decidiu que entraria.

Logo que entrou vislumbrou-se. Não foi necessário nem fixar os olhos em algo específico, tudo o encantava, embora esse tudo fosse quase que igual em todo canto. Era uma galeria onde estava havendo uma exposição de arte. E que beleza de exposição. Em todas as paredes haviam quadros pendurados. Representada no quadro, uma mulher. Sem sequer tê-la visto pessoalmente, ele estava apaixonado por ela. Correu os olhos por todos os lados e só via a linda imagem de uma jovem. Que primor de mulher, ele pensava. Que sensibilidade teve o artista, certeza que ele a havia representado quase que como a houvesse fotografado, ele admirava. Certeza que ela seria mais linda ainda pessoalmente.

Em uma das paredes, ela era representada com expressões que pareciam de aflição, preocupação, ansiedade. Em um dos quadros, ele teve a sensação de que era possível ver o bater de pés, tamanha era a ansiedade expressa na pintura. Apesar da ansiedade, notara a expressividade do olhar, que para ele, clamava por ajuda. Ele quis gritar que ele estava ali, que agora ela podia contar com ele, que ela não estava mais só. Sabia que não seria ouvido, afinal, era só uma pintura. Mas ele não queria que a figura o ouvisse, queria que a mulher que inspirara aquela tela soubesse que ele estaria lá por ela.

Na parede em frente, ela era representada com semblantes tristes. Olhar cabisbaixo, sem vida, cores mais frias. Queria poder consolá-la, mas nem sequer podia tocar. Nem ela, nem a figura vista em sua frente. Ele quis chorar. Pensou que talvez se ela soubesse que é amada não estaria triste. Se ela soubesse que ele se importava com ela, talvez esses quadros de semblantes tristes nunca seriam vistos, afinal, ele faria o melhor que pudesse para vê-la sempre feliz.

E então ele olhou para o lado e viu o mais deslumbrante dos quadros. Ela sorria com tamanha vontade que ele teve a certeza que essa imagem havia sido pintada enquanto ela gargalhava. Os dentes a mostra, o olhar apertado e brilhante, a felicidade estampada em cada traço de tinta. Era possível ouvir o som que ela fazia. E como era adorável vê-la assim, feliz. Amou-a como nunca amou ninguém.

Depois de ter perdido o fôlego, a noção de realidade e de tempo, o movimento dos funcionários indicou-lhe que já era hora de partir. E que triste seria. Aquele era o melhor momento que ele vivia em anos e já precisava deixar que se fosse. Desejou poder levar todos os quadros, mas não podia.

Então ele saiu. Não estava mais na galeria, mas aquela obra de arte, aquela mulher em forma de pintura, não sairia dele. Sem ter feito nada, ela mudou a sua vida e, por isso, ele a levaria pra sempre em seu coração desejando a ela todo o seu bem querer. Que ela fosse sempre amada, mesmo que distante. E que aquele sorriso que o deixou boquiaberto, fosse a marca registrada dela. Tens um sorriso lindo, que ele te cative sempre e depois cative o mundo, ele pensou enquanto caminhava pra casa.


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