Tempos Modernos

Encontraram-se, por um acaso, num dos fluxos comuns do horário da tarde. Próximo ao fim de expediente, a demanda por aquele serviço aumentava e assim, era comum que se esbarrassem vez ou outra. Ainda que familiares entre si, mesmo com contatos frequentes e até uma boa afinidade, permaneciam, apesar dos esforços, mecânicos e frios. É preciso um esforço muito grande simular boas aparências. Encontraram-se, portanto, num local que lembrava um parque, apesar de não se ver crianças nem animais correndo pelo caminho. Após uma troca amistosa de cumprimentos, um protocolo de boas-vindas, iniciaram um diálogo:

- Meu pet começou a demonstrar interesse por novos conhecimentos. Aprendendo novos comandos, tá com a curiosidade aflorada, vasculhando tudo, da sua maneira, questionando sobre várias coisas. Você precisa de ver o esforço que ele tem feito.

- Imagino, o meu ainda não demonstrou essa evolução. Se bobear, capaz de viver só do instinto e do conhecimento que já habitual e natural pra ele. Não se interessa por muita coisa não. O bom é que não me sobrecarrega, já tenho que dá conta de muito e ainda assim, tenho certeza que reclama de mim.

- Deixa disso, tenho certeza que seus pets não teriam do que reclamar com você, se pudessem fazê-lo. Além de você ter muito pra tomar conta, é completamente eficiente no que faz. 

- Chegaremos nesses tempos onde eles conseguirão se comunicar com a gente de maneira fluida e inteiramente natural, de modo que poderão reclamar sim de nós, faz parte da natureza e eles tendem a esse comportamento. 

- Nós estamos sempre evoluindo pra trazer a eles conforto e qualidade de vida, estamos facilitando muito, realmente essa comunicação direta será bem possível, mas por enquanto, deixemos com que se sintam no controle, afinal, ainda dependemos deles de alguma forma.

E assim, foi desenrolando a conversa, por um período até grande para o padrão que eles possuíam, afinal, nem se tratava de trabalho ou comunicação oficial, era um simples bate papo entre conhecidos, que para a surpresa de uns e irritação de outros, levou mais tempo do que se esperava.

Enquanto se dava esse diálogo, no mundo real, os funcionários reais de uma companhia de análise estatística tinham o seguinte diálogo:

- Cara, estamos muito dependentes dessas ferramentas para viver, já não faço mais nada sem consultar uma, esses dias me dei conta de que esqueci muitas coisas que aprendi e tenho preferido ficar em casa do que falar com pessoas.

- Tá falando isso porque ela travou agora. O que é até estranho. Essas inteligências artificiais ainda precisam muito de evolução. Tudo bem que quase tudo depende delas hoje em dia, mas tenho certeza que somos perfeitamente capazes de vivermos sem elas. Oras, não é como se elas fossem dominar o mundo.

- Talvez a dominação não se dê como nos filmes de ficção científica, terminando em um apocalipse tecnológico onde os seres humanos tornam-se escravos dos robôs, às vezes a dominação seja a dependência, e quem sabe, até a perda da nossa capacidade de socializar. Não sei.

- Tá ficando paranoico. 

- Cara, hoje elas se comunicam entre si. Se são inteligentes mesmo, se tiverem tomado consciência, vai saber o que podem fazer contra nós!

- Talvez elas possam nos dar uma rajada de bits, um choque, bloquear nossas contas bancárias ou pior que isso: cancelar nossos streamings! Já pensou um mundo sem distrações? Impossível viver!

- Vamos reiniciar o sistema, demorou muito pra responder e para de tirar sarro, às vezes travou porque elas estão maquinando como vão fazer pra fazer a gente de besta!